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Opinião

Reflexão sobre o cante alentejano

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Reflexão sobre o cante alentejano

Foto: Rádio Voz da Planície

“Don't it always seem to go That you don't know what you got 'til it's gone? They paved paradise and put up a parking lot.” (Joni Mitchell, Big Yellow Taxi, 1970) começa assim a crónica de opinião de Rui Óscar Teixeira, música, que pode ler e ouvir aqui.

"No passado dia 04 estive com os Cantadores do Desassossego num evento, na cidade de Amadora, cantando para uma plateia lotada que nos ouvia num silêncio respeitoso e quase reverencial, bem como aos restantes grupos que compunham o programa daquele dia. O mesmo havia já ocorrido aquando das nossas deslocações a Vila Nova de Santo André e, mais recentemente, a Almada. Que contraste com a experiência do passado dia 11, no Parque Vista Alegre da nossa cidade, onde me desloquei para ouvir três belíssimos grupos corais do nosso concelho, numa noite aprazível em que o Cante foi, pelos seus executantes, muito bem tratado. Comigo estariam lá duas dezenas de espectadores, descontados os integrantes dos grupos participantes e seus acompanhantes, técnicos e responsáveis da edilidade. Não encontrei nada de novo neste fenómeno que se repete de há demasiado tempo a esta parte, como se a cidade se tivesse cansado de uma expressão cultural de que, há meia dúzia de anos e após a inscrição na Lista de Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO, cujo décimo aniversário se celebra este ano, fazia gala em manifestar apreço e orgulho. É como se se tivesse gerado um cansaço na população residente no solar desta tradição, ao contrário da diáspora que, pela ligação que necessita manter às origens, a continua a acalentar.

Dir-se-á, na sequência do acima exposto, estar o Cante a enfrentar uma crise existencial. Não o nego, acho aliás que a crise é comum a muitas outras formas de património ou de tradição. Não o vejo, contudo, como uma tragédia irrecuperável. Afinal o Cante chegou-nos porque os nossos avoengos cantavam e passaram esse saber, de geração em geração até aos nossos dias. Sabemos que o Cante formal, com os grupos fardados e alinhados, marchando numa cadência solene, resulta mais da intervenção dos poderes instituídos do que da sua génese. Os cantares surgiam de forma mais ou menos espontânea de entre os ranchos de trabalhadores, substituídos primeiro por máquinas e depois por gente oriunda de paragens com diferentes saberes e diferentes estares. O Cante que rompia nas tabernas foi tornado proscrito pela televisão. A vida mudou e vem mudando todos os dias e essa mudança repercute-se em todos os seus aspectos, não poderia o Cante sair incólume. As novas gerações voltam ao cancioneiro tradicional para recolher algumas modas, apenas para as revestir de novos contextos, muito mais do seu agrado. A formação de novas gerações através do ensino do Cante nas escolas desapareceu, naquele que será o maior fracasso neste décimo aniversário da patrimionialização, os netos não acompanham os avós à taberna, se o fazem levam olhos e ouvidos colados ao telemóvel, esse sucedâneo moderno do grande educador de todas as classes.

E, no entanto, há ainda famílias que se juntam e, em estando juntas, cantam. Há ainda tascas, tabernas e restaurantes onde grupos familiares ou de amigos se juntam à volta da mesa e cantam. Pouco importa aqui se o fazem a capella ou se deixam acompanhar por uma viola, ou uma guitarra, ou um acordeão, cantam as modas que lhes deixaram os seus avós e, cantando, as transmitem aos seus netos.

Estou em crer que o Cante espectáculo enfrenta, de facto, tempos difíceis, a requerer a definição de estratégias que lhe possam assegurar a sustentabilidade e só esta discussão dava assunto para uma mão cheia de crónicas. É, contudo, minha convicção profunda que enquanto se mantiver o saudável hábito de amesendar magotes de gente de diferentes gerações unidas por laços familiares ou de amizade e que mantenham o gosto em cantar, o Cante, na sua forma mais pura, está para durar.

(O autor não escreve segundo o Acordo Ortográfico)."


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