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Opinião

"Palestina"

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"Palestina"

Foto: Paulo Monteiro

"Nestes tempos que correm tão conturbados, gostava de vos falar de um livro de banda desenhada que se mantém absolutamente atual há quase 30 anos. Infelizmente…", refere Paulo Monteiro, autor de Banda Desenhada, na crónica que pode ler e ouvir aqui.

"Falo do livro Palestina, de Joe Sacco, um livro que conta a trajetória do autor desde Jerusalém, na Cisjordânia, até à Faixa de Gaza, território palestiniano composto por uma estreita faixa de terra localizada na costa do Mediterrâneo.

O livro relata boa parte das experiências de Sacco na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, entre dezembro de 1991 e fevereiro de 1992. Foi publicado em dois tomos nos Estados Unidos, em 1996. E em muitos outros países, chegando a Portugal em 2004. Em 2022 foi publicado pela Tigre de Papel, num único volume.

Os ataques terroristas perpetrados pelo Hamas a 7 de outubro de 2023 relembraram-nos a todos a tragédia humanitária que dura há décadas naquela zona do globo e tornam a leitura deste livro absolutamente indispensável para perceber a evolução do conflito.

Esta guerra não é de agora. Os conflitos entre Israel e a Palestina remontam ao surgimento do movimento sionista (não confundir com semita), que defendia a fundação de um Estado judeu na Palestina. A região era reivindicada pelos judeus por lhes ter pertencido até ao século III a.C., altura da ocupação romana. A expulsão dos judeus destes territórios acabou por dar início à diáspora judaica e à dispersão de judeus pelo mundo.

É no final do século XIX que o movimento sionista em torno da Palestina começa a ganhar expressão. Foram milhares, os judeus que emigraram para a palestina, então habitada por cerca de 500 mil árabes. Mas foi o  genocídio sofrido pelos judeus na Europa, durante a II Guerra Mundial (1939-1945) que acabou por estabelecer as condições políticas para a criação efetiva de um Estado judeu na Palestina.

Os ingleses, que eram a autoridade colonial da região, entregaram a disputa do território às Nações Unidas, que dividiu a Palestina entre judeus e árabes. Os árabes eram 70% da população, mas ficaram com menos de metade das terras. E com a parte mais infértil… A proposta foi aceite pelos judeus, mas naturalmente rejeitada pelos árabes. Mesmo assim, foi aprovada em Assembleia Geral da ONU em 1947. Grande parte destas populações árabes acabaram por ser expulsas das suas terras (que eram dos seus avós e bisavós) e expulsas das suas casas.

Proclamada a fundação do Estado de Israel, seguiram-se uma série de guerras e conflitos, que tiveram início logo em 1948. A primeira guerra israelo-palestiniana permitiu aos israelitas expandir o seu território de 50% para cerca de 80%. Em 1967, com a Guerra dos Seis Dias, os israelitas ocuparam parte da Síria, do Líbano e da Jordânia (nomeadamente a Cisjordânia, que inclui Jerusalém Oriental, e a Faixa de Gaza).

Foram várias as resoluções da ONU, no sentido da devolução destes territórios aos árabes, o que nunca sucedeu. As hostilidades nunca pararam, com incidência na atitude sempre musculada de Israel.

Sacco, como dissemos, passou dois meses com os palestinianos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, no final de 1991 e início de 1992, precisamente durante a primeira Intifada, nome dado às insurreições dos palestinianos da Cisjordânia contra Israel (o termo surgiu espontaneamente em 1987, quando a população civil palestiniana combateu os militares israelitas nos territórios ocupados com paus e pedras).

É neste contexto que Sacco escreve e desenha a sua banda desenhada, dando testemunho da dor sentida pelo povo palestiniano. E não se pense que o autor tem uma visão pró-palestiniana tendenciosa. O sofrimento humano não conhece nacionalidades, etnias, ou religiões, como Sacco vinca muitas vezes. Também há vítimas inocentes do outro lado. Não falo do Estado Sionista de Israel, claro.

Quando Sacco regressou ao Estados Unidos organizou os seus apontamentos, estudos e desenhos e combinou as técnicas de reportagem com as técnicas e processos típicos da banda desenhada. Foi a forma que encontrou para dar a conhecer as suas experiências non terreno, aliando a formação de jornalista ao gosto pela narração figurativa.

A composição dos seus personagens e da sua narrativa é baseada sobretudo nas suas investigações jornalísticas, entrevistas e convivência com os habitantes. Sacco confere muitas vezes ao desenho um tom entre o realista e caricatural, dando a noção de que não passamos, todos, de bonecos, de marionetas mais ou menos desesperadas no teatro da vida.

O livro ganhou o American Book Award em 1996.

O ataque terrorista do Hamas, de 7 de outubro do ano passado, é de uma violência extrema. Um ataque ignóbil e absolutamente condenável. Mas é um ataque que surge na sequência de anos e anos a fio de ocupação desregrada dos territórios palestinianos. E de muitas humilhações.

Como referiu, aliás, o Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres.

O combate de Israel ao Hamas assumiu, entretanto, a forma de um genocídio sobre as populações palestinianas. O exército israelita já matou mais de 30.000 pessoas, na maioria mulheres, crianças e velhos.

São milhões, as vozes que se levantam contra este genocídio. E, entre elas, as vozes de muitos judeus. É importante não confundir as coisas.

Nos anos 90 a voz de Sacco alertou-nos para esta tragédia. Uma tragédia para a qual não se adivinha um fim.

Joe Sacco nasceu em Malta em 1960. Reside atualmente em Seattle, nos Estados Unidos e é reconhecido mundialmente pela combinação das suas duas profissões: jornalista e autor de banda desenhada."

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