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Opinião

"Reflexões sobre o tempo atual"

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"Reflexões sobre o tempo atual"

Foto: Rui Óscar Teixeira

"Quando foi inaugurado em Belfast, no já longínquo ano de 2012, o Metropolitan Arts Center expôs uma obra de Robert Therrien que consistia num conjunto de uma mesa e quatro cadeiras de dimensões gigantescas", sublinha a crónica de opinião de Rui Óscar Teixeira, músico, que pode ler e ouvir aqui.

"A obra de Therrien, artista americano falecido em 2019 aos 71 anos, caracterizava-se exactamente pela reprodução de objectos de uso comum mas em tamanhos monumentais e imersivos, ao redor e, nalguns casos, por debaixo dos quais o visitante era convidado a passar. Aos seus olhos, objectos que até aí lhe eram familiares ganhavam uma nova identidade resultante da diferente e forçada perspectiva.

Sem ter, aparentemente, nada a ver, lembrei-me da obra de Robert Therrien aquando da recente polémica em torno da apresentação do livro “Identidade e Família” que, alegadamente, terá funcionado como rampa de lançamento da pré-candidatura a Belém do antigo Primeiro-Ministro Passos Coelho. O livro, resultante da coleção de textos de uma vintena de autores, assume o combate dos sectores mais conservadores da sociedade às questões que querem tornar fracturantes quando, na sua maioria, não são mais que direitos individuais conquistados a custo nos últimos cinquenta anos, nomeadamente no que concerne aos direitos das mulheres e das comunidades LGBT. Numa recente entrevista, um dos coordenadores do livro assumiu a constituição de um movimento que pretende influenciar as políticas públicas neste novo ciclo político resultante das eleições de dez de Março último.

Pessoalmente nada me move contra as pessoas que defendem um determinado modelo de organização familiar, ou que defendam a sacralidade imutável da vida, ou até a providência divina contra os avanços da medicina, isso é lá com eles. A mim diz-me, contudo, respeito e preocupa-me que queiram impor aos demais as suas convicções. Convenhamos, por exemplo, eu não estou neste momento em condições de definir uma posição pessoal quanto a um eventual recurso à eutanásia, já que não me sei portador de enfermidade que me torne a vida um suplício. Outra coisa é ver-me nesta condição e ser-me recusado aquele que venha a considerar um fim digno perante uma situação insuportável, restando como solução uma dispendiosíssima última viagem à Suíça ou a um estado mais progressista lá para os States.

Neste contexto, acho lindamente que uma mulher escolha ficar em casa, encarregue da gestão do seu dia a dia familiar e da educação da sua prole. Está no seu direito e, caríssimos ouvintes, os direitos são direitos, ainda que não coincidam com as nossas ideias. Querer, contudo, romantizar tal opção parece-me desajustado a quem conquistou o inalienável direito a ter vida própria, a não depender de um marido ou de uma marida, que quando falamos em direitos conquistados temos que os lembrar a todos e, perdendo-se um, abre-se as portas ao abalar de todos os outros.

E aqui chegamos à obra artística de Therrien: quem está formatado, porque sempre assim viveu, a ver as mesas e as cadeiras de cima, achará sempre fácil alcançar o que estiver sobre elas e relativizará com ligeireza as dificuldades de quem está habituado a vê-las por cima da sua cabeça. Enquanto homem branco de classe média, já ultrapassada a meia-idade, pode-me querer parecer, por vezes, que vislumbro aqui e ali algum exagero nas posições de quem defende a igualdade de direitos e de oportunidades e, de forma particular, o direito de auto-determinação das pessoas, em particular das que integram minorias. Sou, porém, obrigado a reconhecer que falinhas mansas ou lutas simbólicas e fofinhas não levam a vitórias.

O que me parece estar em causa é uma tentativa de regresso a um conjunto de valores que garantiam a hegemonia de uns poucos que, nostálgicos desse poder, sentem agora o chão seguro para reverter o que entretanto se alcançou. Porque tudo na vida, caríssimos ouvintes, é política e, se é política, é ideologia e, sendo-o, pode e deve ser confrontada e combatida.

(O autor não escreve segundo o Acordo Ortográfico)."

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