"A reboque de um antigo ditado popular, poderemos dizer que: Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. Mas nós ralhamos porque temos razão. Agricultores e governantes devem integrar os fenómenos das alterações climáticas no modo de planear e de trabalhar. É preciso encontrar as soluções necessárias para tirar o melhor proveito das nossas produções agrícolas, pecuárias e florestais. Sendo que os agricultores são a classe profissional que mais exposta está às alterações climáticas porque trabalha a céu aberto, e o que produz, seja animal ou vegetal, está dependente do clima.
Não podemos fingir que os períodos cada vez mais prolongados de seca são um fenómeno passageiro e ocasional. Também não podemos cruzar os braços de cada vez que há uma enxurrada - daqueles fenómenos extremos – quando vemos essa água sumir-se no mar, sem ser represada. Já não é tempo de espanto. Ou de dúvida. É tempo de agir. De colocar em prática as soluções necessárias para conferir normalidade à vida no campo em contexto das alterações climáticas.
Mas, para isso, é preciso que saibamos reflectir e trabalhar em conjunto. Agricultores, governantes, técnicos e academia. Nacionais e comunitários. Há mais de um ano que nós, agricultores do Alentejo, reclamamos a solução de pequenos regadios nas explorações de sequeiro. Que são a maior área da Superfície Agrícola Utilizada. Armazenamentos de água em zonas onde isso é possível e necessário. Para a produção de forragens que permitam alimentar o gado em anos em que não chove. Para dar de beber aos animais quando era suposto haver água e já não há. Porque nos faltaram as condições e os instrumentos para a conseguir aproveitar. Guardando-a para quando for necessário.
É com agrado que vemos esta ideia ganhar aceitação. Cada vez mais gente com responsabilidades na administração pública, na agricultura, nas universidades, partilham desta solução. É importante, mas não chega. É preciso investimento público. É fundamental que a classe política e governamental tenha essa consciência. O conhecimento da realidade agrícola, que muitas vezes falta, e o compromisso para a criação de condições para a adequada prática agrícola. Para com o sector que coloca a comida na mesa de todos nós e mantém o território povoado. É preciso definir políticas estratégicas e investimento de médio/longo prazo. Soluções sustentáveis que evitem o colapso da nossa agricultura e do meio rural. Das zonas de interior. É fundamental que as políticas de defesa da agricultura e do meio rural se sobreponham à desregulação económica à escala europeia.
Nós, agricultores do Alentejo, a ACOS e a FAABA, também já há muito que reclamamos a criação de um verdadeiro seguro que cubra os prejuízos provocados pela seca. A exemplo do que já sucede há bastante tempo em Espanha, precisamos que em Portugal a seca seja considerada um sinistro segurável. Os agricultores devem poder ter essa opção. Devem ter ao dispor esse instrumento para usar quando e onde considerem mais ajustado às suas necessidades ou opções. Porque, cada vez mais, os fenómenos das alterações climáticas, e em especial a seca, têm implicações diretas nas nossas produções. Na viabilidade das explorações. Na quantidade e qualidade do que produzimos."
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